Os crimes literários

  romance policial tem suas normas;

 fazer melhor do que elas pedem é ao mesmo tempo fazer pior:
 quem quer embelezar o romance policial faz literatura, não romance policial.
Tzevetan Todorov

Desdenhado pelos especialistas em literatura, apesar – ou talvez por causa – de  sua imensa popularidade, o gênero policial oficialmente completa 180 anos em 2021. Já que 2020 ainda não “pegou”, podemos começar as celebrações: em 1841, Edgar Allan Poe ganhou 56 dólares para publicar o conto Os crimes da Rua Morgue, na revista Graham’s. Nesses quase dois séculos, as histórias de suspense obedecem a fórmulas que, se forem alteradas, como diz Todorov, perderão sua essência.

A receita de Poe era simples. Um detetive astuto, Auguste Dupin, desvenda mistérios tendo por testemunha um amigo. Estavam ali Sherlock Holmes/Watson, Hercule Poirot/Hastings e tantas outras duplas menos notórias que permanecem no imaginário público. Inspirado pela mescla social urbana oriunda da Revolução Industrial, o romance policial baseia no preconceito e na segregação boa parte de seus enredos. Uma das vertentes mais apreciadas mistura personagens reais e ficcionais sem grande fidelidade a fatos ocorridos, como faz a inglesa Jessica Fellowes em O assassinato do trem: as irmãs Mitford investigam (Record, R$ 30,20), que junta uma família aristocrática a uma jovem criada para desvendar o assassinato da enfermeira Florence Nightingale Shore, em 1920.

Afilhada da célebre Florence Nightingale, a enfermeira trabalhou ao lado da madrinha atendendo pacientes na guerra da Crimeia. Assassinada dentro de uma cabine de passageiros num trem, sua morte é mistério até hoje, e está no primeiro dos três livros de Jessica Fellowes sobre as famosas irmãs Mitford, celebridades na época. Apesar da semelhança da ambientação com as descrições de romances de Agatha Christie, falta a Fellowes o ritmo da Rainha do Crime. No entanto, não há como deixar de lado a curiosidade para entender a motivação e descobrir o (ficcional) autor do assassinato – fundamentais em qualquer policial.

A realidade nas histórias do francês Michel Bussi, que já vendeu mais de 3,5 milhões de cópias de seus livros, fica na escolha dos cenários. O premiadíssimo Ninfeias Negras  (Arqueiro, R$  27,90) aborda a investigação de assassinatos em Giverny, a cidade que o pintor Claude Monet imortalizou em seus quadros. Além da envolvente trama, contada sob diferentes pontos de vista, Bussi apresenta personagens fascinantes, bem delineados e multifacetados, tão interessantes quanto a procura por pinturas impressionistas em mãos dos mais inusitados colecionadores de arte.

Protagonizado pela adolescente Ellery, que, ao lado do irmão gêmeo Ezra, vai morar com a avó numa cidadezinha, Mortos não contam segredos (Galera, R$ 30,90), de Karen M. McManus, tem a narrativa ágil de roteiro televisivo. Em 2018, McManus, trouxe um novo fôlego aos romances para jovens adultos com Um de nós está mentindo (Galera, R$ 27,90). Desta vez, os personagens são atormentados pela ameaça de um assassino de “rainhas do baile”, que periodicamente ataca as mocinhas da cidade. Apesar do excesso de referências à cultura contemporânea, leitores de todas as faixas etárias são rapidamente conquistados pelo thriller.

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Cada brasileiro lê, em média 2 livros por ano. Depois de um período de raro crescimento, o mercado editorial tem enfrentado uma crise séria, agravada pela pandemia, que fechou diversas livrarias físicas. O setor sofre a ameaça de encolher ainda mais caso seja  aprovada a taxação de 12% sobre as vendas dos livros, proposta pelo governo federal. A isenção de tributos sobre os livros vigora desde 1956, por emenda do escritor Jorge Amado, então deputado constituinte pelo PCB.

Lançada esta semana, uma petição já recolheu quase 1 milhão de assinaturas que serão encaminhadas à Câmara dos Deputados pelos representantes do setor livreiro. Para assinar e saber mais sobre o projeto do governo, entre aqui.

#denfendaoolivro


21/08/2020

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