A Pátria em questão

 Pandemia combina com sofá e muita série televisiva. Prevista para setembro, a estreia de Pátria, produção espanhola baseada no espetacular romance de Fernando Aramburu (Intrínseca, R$ 64,90), talvez pegue o público cauteloso ainda aquartelado em casa – a despeito dos esforços dos administradores brasileiros em afirmar a “volta à normalidade”, embora o número de doentes e mortos pela Covid-19 permaneça elevados.



Pátria levanta questões que não perdem a atualidade: a autoridade dos governos, o amor ao solo, e as perdas que guerras civis pelo domínio territorial acarretam. Duas famílias rompem a amizade de uma vida inteira quando  um pequeno empresário é marcado para morrer pelo ETA – o movimento separatista basco.    Sem tomar partido de nenhum dos lados, Aramburu tece uma delicadíssima teia na qual se equilibram nove personagens que buscam superar o assassinato do empresário, o que leva sua viúva a mudar-se para outra cidade. Com o anúncio de que o ETA deporia armas em 2011, ela retorna à aldeia, para espanto dos vizinhos e principalmente da ex-melhor amiga, que se converte à causa separatista à medida que o filho se envolve com o grupo.

O conceito de pátria é cuidadosamente traçado por Edmondo de Amicis em Coração (Cosac Naify, R$ 30). Lançado em 1886, o romance acompanha alunos pré-adolescentes de uma escola pública de Turim, durante um ano letivo. A escola é o centro da vida social dos meninos numa Itália recentemente unificada, onde eles fortalecem o sentimento de considerar todas as comunas e regiões parte de um mesmo país.

Um best-seller de longuíssima duração, a partir dos anos 1970, Coração caiu no ostracismo. Os contos moralistas e as noções de boa conduta tornaram-se anacrônicos, ultrapassados pelo cotidiano turbulento do século XX. Críticas nunca faltaram. Antes de ser alvo de ironias de Umberto Eco, o romance sofreu ressalvas dos líderes fascistas e da Igreja Católica. Mussolini chegou a encomendar outro “livro de formação juvenil” a seus pares, pois se incomodava com o histórico socialista de Edmondo de Amicis. Já o Vaticano reclamava da ausência de qualquer alusão à religiosidade na narrativa, que detalha o cotidiano escolar sem mencionar sequer o catecismo – prática comum num país católico. Quem relê Coração na maturidade talvez experimente a emotividade que arrebata os adolescentes de qualquer época ao travar conhecimento com a vida adulta.



A  venda de livros no Brasil aumentou ao longo da pandemia, embora continue inferior ao faturamento do ano passado. A recuperação é boa – foram vendidos 31%  a mais de livros entre  18 de maio a 14 de junho do que no mês anterior. Mesmo assim, o percentual ficou em torno de 3% a menos do que no mesmo período em 2019.  A crise do setor, que vinha sendo superada gradativamente, se mantém, mas a previsão do mercado é de melhora com a reabertura das livrarias físicas. Quem viver verá. E lerá.

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