Os adolescentes sob diferentes leituras



Há quem diga que a adolescência tornou-se digna de atenção social a partir dos 1950, com a publicação de O apanhador no campo de centeio (Todavia, R$ 44,90), do norte-americano J.D. Salinger. Exageros à parte, Salinger não apenas criou um adolescente com traços reais, como fez do protagonista e narrador um rebelde sem causa, bem diferente dos jovens heróis íntegros da literatura clássica.  Holden Caufield (mau aluno, quase 1,90 m de altura e comportamento de um garoto de 13 anos, em vez de seus 16 para 17) mostra-se um poço de insegurança, arrogância e sensibilidade, enquanto volta para a casa de sua abastada família em Nova York, depois ser expulso do colégio interno.

Em 1923, Salinger era um menininho de 3 anos quando o francês Raymond Radiguet, então com 20 anos, publicou O diabo no corpo (Companhia das Letras, R$ 27,90), contando o romance adúltero – provavelmente autobiográfico – entre uma jovem casada e um adolescente. O autor pouco desfrutou do imenso sucesso de sua história: morreu de tifo, seis meses depois. A diferença dos livros de Salinger (que já estava com 32 anos quando O Apanhador chegou às livrarias) e Radiguet para as narrativas atuais destinadas a “jovens adultos” é que nenhum dos dois escrevia especificamente para leitores de determinada faixa etária. E seus protagonistas estavam longe de granjear admiração por feitos grandiosos – são personagens atormentados, que se escondem dos “adultos”, ainda que não tenham propriamente a irreverência ou o arrebatamento de anti-heróis.

Se a inserção no mundo adulto angustiava os adolescentes na literatura do século XX, os atuais protagonistas dos livros para jovens estão engajados no combate à injustiça social. Bullying, racismo, machismo, homofobia são alguns dos temas abordados com clara intenção educativa. A mesma intenção que teve um professor de História, em 1969, ao tornar uma turma de Ensino Secundário, em Palo Alto, na Califórnia, propensa a adotar práticas fascistas, vestindo uniforme, elaborando discursos excludentes e evitando relacionar-se com outros grupos de alunos.  O professor pretendia mostrar a facilidade de manipulação da massa para fins políticos. O chamado Experimento de Palo Alto serviu de base a diversos filmes – entre eles, um alemão, em 2008. Chega agora ao Brasil A onda (Galera Record, R$ 24,39),  a adaptação de um desses roteiros assinada pelo escritor Todd Strasser, em 1981, que não perdeu a atualidade.

Em  Cartas para Martin (Intrínseca, R$ 29,90), a escritora Nic Stone discute o preconceito racial da sociedade norte-americana, através de dois amigos negros, um pobre, outro rico. Justyce MacAllister é um excelente aluno que reflete sobre a convivência entre negros e brancos nos EUA de hoje em cartas para Martin Luther King. Seu principal questionamento é que embora Luther King sido assassinado por liderar a luta pelos direitos da população negra  há mais de 50 anos, a discriminação racial não acabou.

A apropriação de personagens consagrados em obras de autores que nada têm a ver com sua concepção original é uma constante na indústria cultural. Em 2006, a americana Nancy Springer iniciou sua série de seis livros sobre Enola Holmes, a irmã temporã de Mycroft e Sherlock Holmes. A primeira aventura, Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido (Verus, R$ 29,90), foi adaptada para um filme produzido pela Netflix. A empresa, assim como Nancy, vem sendo processada pelos herdeiros de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock.  Vale a pena deixar de lado as disputas por direitos autorais e ler o livro antes de ver o filme. Divertido, irônico e envolvente, o thriller traz um novo olhar sobre a perspicácia do mais famoso dos detetives: a genialidade se deve à presença de uma mãe intelectualizada, que estimulava nos filhos a paixão pelo conhecimento e a observação.

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