Literalmente, mulheres

 Julieta, Capitu, Emma Bovary, Ana Karenina. Inegavelmente algumas das mulheres mais marcantes da literatura, têm em comum, além da intensidade pessoal, o gênero dos seus criadores, todos homens brilhantes. Sem desmerecer a genialidade de Shakespeare, Machado de Assis, Flaubert e Tolstoi,  há outras personagens que se impuseram literariamente com sinais reconhecíveis de autenticidade feminina e foram  frutos da imaginação de mulheres. Às vésperas do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é bom relê-las numa breve lista sem qualquer ordem afetiva ou cronológica.

Betibu (Verus, R$  52,90) é o apelido pelo qual Jaime Brena, o ex-editor de Polícia de um dos jornais de Buenos Aires se refere à escritora Nurit Iscar, uma cinquentona que se une ao velho jornalista para apurar o assassinato de um empresário num condomínio de luxo da cidade. Cercada por homens (dois filhos, jornalistas, o ex-amante) e pelas melhores amigas, Nurit, que desvenda mistérios com alma de repórter e curiosidade de roteirista, poderia ser um alter ego da escritora Claudia Piñeiro, um dos mais expressivos nomes da literatura argentina da atualidade.

A paixão proibida pelas diferenças sociais impede o casamento de Cathy Earnshaw com seu irmão de criação, Heathcliff, o que seria uma “degradação” para a jovem da aristocracia rural inglesa. Mesmo  depois de morta, Cathy está presente nos delírios do amargurado e cruel Heathcliff e nas lembranças dos outros personagens de O Morro dos Ventos Uivantes (Bestbolso, R$  39,90), um dos mais aclamados romances do século XIX, escrito por Emily Brönte. Sua irmã, Charlotte, criou Jane Eyre  (Zahar, R$  89,90), a preceptora da filha do misterioso Edward Rochester, por quem se apaixona. Depois que se casam, Jane descobre um segredo pavoroso do marido e o abandona para tentar viver com dignidade, dentro das limitações impostas pela época.

Com mais humor e personagens que esbanjam firmeza de caráter, Jane Austen fez de  Elizabeth Bennet sua mais famosa  protagonista. Em Orgulho e Preconceito (Nova Fronteira, R$ 30,90), Elizabeth tem a possibilidade de salvar a família da pobreza quando um primo, herdeiro do título e da fortuna de seu pai, se interessa em casar com ela. Elizabeth recusa e também rejeita o antipático aristocrata Mr. Darcy, que lhe confessa sua paixão, embora a considere abaixo de seu nível social. A crítica ao sistema de distribuição de renda das altas classes britânicas ressurge em outros romances de Austen, que pôde ajudar no sustento de irmãos e sobrinhos com sua atividade literária, ainda que, inicialmente, sob o pseudônimo de “uma senhora”.

A correspondente contemporânea de Elizabeth Bennet foi criada para garantir boas risadas. O diário de Bridget Jones (Record, R$ 42,90) segue a trama de Orgulho e Preconceito, incluindo um homônimo de Mr Darcy, um advogado sem charme e introvertido, que se encanta pela atrapalhada jornalista, às voltas com um editor canalha e bonito, uma mãe escandalosa e amigos divertidos. À autora Helen Fielding foi creditada a invenção do gênero literário conhecido como “chick lit”, que tem como figuras centrais feministas românticas.

A trajetória da exuberante Catalina Guzman, de adolescente ingênua, embora determinada, a mulher de um homem poderoso no México na primeira metade do século XX é descrita com o mesmo arrebatamento da protagonista de Arranca-me a vida (Companhia das Letras, R$  49,90), de Angeles Mastretta. Aos 15 anos, Catalina conhece e se casa com o general Andrés Ascencio, um líder político. Restringir-se ao universo feminino doméstico não a satisfaz, porém sua rebelião é surda até se apaixonar por um músico. Com a da história do México como pano de fundo, esse romance vigoroso mostra o machismo enraizado na América Latina.


08.03.2020

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