A sobrevivência nos tempos do totalitarismo

 Para o italiano Marco Balzano, autor de Daqui não saio (Bertrand Brasil, R$ 39,90), finalista, em 2018,  do Strega, o maior prêmio literário de seu país, o fascismo não começou com a famosa Marcha sobre Roma, mas com a subjugação do povoado de Curon, em 1921. A localidade,  originalmente parte da Áustria, foi anexada à Itália depois da Segunda Guerra Mundial. Até hoje, a maioria da população da região fala alemão, embora a ascensão fascista proibisse o idioma aos moradores, obrigando a adoção do italiano até nas lápides do cemitério.

Curon foi inundada para a construção de uma represa, nos anos 1950, apesar da resistência dos moradores, entre elas uma mulher chamada Trina, de quem Balzano tomou emprestado o nome para sua protagonista, uma professora que conta suas perdas – de nacionalidade, de língua, de família e de cidade – ao longo de trinta anos, dirigindo-se à filha desaparecida. Da cidade, atualmente destino turístico, só se vê o campanário de uma igreja, no meio do imenso Lago de Resia.

O fascismo foi o tema vencedor do Strega no ano seguinte. M – o filho do século (Intrínseca, R$ 79,90) é fruto da pesquisa de cindo anos do professor de Literatura Antonio Scurati, que entremeia a narrativa com noticiário, documentos e discursos de Benito Mussolini no período de 1919 a 1921. A teatralidade do líder fascista, alçado a primeiro-ministro da Itália, um país corroído por problemas sociais e econômicos, fica nas apresentações públicas. Mussolini nada tem de intuitivo, mas é mostrado no romance, que acompanha o crescimento da ideologia que vai tomar a Itália, como alguém cujo único interesse é o poder e seu engrandecimento como salvador da nação. O isolamento da oposição aos fascistas corresponde ao entusiasmo dos liberais e moderados, que aplaudem Mussolini, mesmo discordando da violência que o Estado assume sob sua chefia.

Esse é o primeiro volume de uma trilogia, na qual Scurati pretende alertar para o renascimento do fascismo no momento em que a política mundial mostra um novo impulso da extrema direita – e a dificuldade da esquerda reagir em tantos países. Scurati e Manzano, ambos nascidos nos anos 1970,  revolvem feridas abertas há cerca de um século, tentando explicar o que leva um povo desesperado a agarrar-se ao totalitarismo e a exterminar os “diferentes” – judeus, ciganos, homossexuais, pessoas com deficiência.

Uma das tragédias que as ideologias totalitárias causaram na Europa, durante a Segunda Guerra, o massacre dos judeus na Letônia, em 1941, está em O cisne e o aviador (Rocco, R$  29,90), da jornalista carioca Heliete Vaitsman. Cruzando memórias de imigrantes que conseguiram se radicar no Brasil, fugindo do nazismo, ela recompõe a trajetória de Herberts Cukurs, um piloto letão acusado de crimes de guerra. Estabelecido no Rio de Janeiro, onde montou um negócio lucrativo, os pedalinhos da na Lagoa Rodrigo de Freitas, Cukurs foi reconhecido e, diante da pressão popular, tratou de se mudar para Niterói, indo depois para Santos, criando pequenas empresas de aviação. Acabou executado por agentes israelenses no Uruguai, em 1965.

É através das personagens ficcionais que Heliete Vaitsman fala das separações e perdas que a guerra impinge indistintamente em pessoas e povos diferentes. A necessidade de recomeçar a vida, deixando o passado para trás, é compartilhada por Cukurs e por suas vítimas, apresentada de forma objetiva pela autora, que deixa aflorar as contradições de todos os envolvidos no drama. A sobrevivência exige atitudes nem sempre obedientes à ética – o assassino de Cukurs conquista sua confiança e amizade com o objetivo de matá-lo, casamentos são uniões práticas, sem amor, mas necessárias para recomeçar a vida e ter uma família.  Um  relato de emoções contidas que, no entanto, provoca impressões profundas no leitor.

17.02.2019

Comentários

Postagens mais visitadas