Você que lê tanto...

Leitor contumaz é um ser que precisa estar preparado para perguntas abruptas. O preâmbulo, geralmente, é “você que lê tanto…” seguido por “já ouviu falar…”. Daí surge o nome de
  • Um autor conhecido basicamente por intelectuais
  • Um autor de livros populares que o leitor contumaz jamais se aventurou a ler
  • Um autor de livros de autoajuda, motivacionais ou religiosos que o leitor contumaz já teve a infelicidade de ler
Qualquer uma dessas perguntas terá como complemento um pedido de crítica sucinta, mas profunda sobre a obra em questão e, naturalmente, o empréstimo do livro que provavelmente o leitor contumaz não terá. A conclusão será um olhar de pouco disfarçado desprezo diante da demonstração cabal de que aquele não é um leitor tão erudito como dá a entender.
O leitor contumaz que pretenda evitar tal saia-justa deve ampliar seus horizontes  para analisar com tranquilidade um produto geralmente bem estruturado e direcionado a um público específico.   Bem estruturado, por exemplo, é O corpo dela e outras farras (Planeta, R$ 55,90), da americana Maria Carmem Machado. Em oito contos inquietantes, mulheres vivem rotinas ordinárias cercadas por elementos, por vezes, fora do comum, como a que passa a vida inteira com uma fita amarrada em seu pescoço. Destinada a leitores mais sofisticados, que apreciarão a narrativa fragmentada e fechada em si, a escritora, que não dispensa uma boa dose de realismo fantástico em suas histórias – não fosse neta de cubanos – , virá à Festa Literária de Paraty (Flip) no próximo mês.
Com enredos totalmente lineares e previsíveis, Norah Roberts escreve romances que vendem como água mundo afora, mas não a ponto de impedi-la de abrir uma ação por plágio contra uma brasileira que, diz a escritora, usou trechos imensos de histórias suas em livros românticos online.  A Villa (Bertrand Brasil, R$ 59,90) trata das disputas de membros de uma família pelo controle dos negócios do grupo, que fabrica vinhos, sem deixar de lado, em momento algum, os envolvimentos românticos entre diversos personagens, descritos com tanta superficialidade quanto num livrinho de banca de jornal. Tem mistério, intriga, cenas de sexo ardente e muitos casamentos. Mas tudo contado sem a menor intenção de levar o leitor além de um entretenimento rápido e que dê pouco trabalho para a massa encefálica.
Texano, com formação em finanças, o americano Mark Manson viveu quatro anos no Brasil e ficou conhecido por aqui ao publicar uma postagem em seu blog na qual apontava a falta de compromisso, cultura, honestidade e caráter do brasileiro. De volta aos Estados Unidos, escreveu A arte sutil de ligar o f*da-se (Intrínseca, R$  34,90), que vendeu cerca de 1 milhão de cópias no Brasil em 2018.  Seu novo livro é  F*deu geral (Intrínseca, R$ 34,90), repetindo a fórmula de analisar situações e desfiar pitadas de psicologia no que seria uma anti autoajuda, que não estimula o otimismo diante de circunstâncias adversas, porém pretende levar o leitor a entender suas próprias limitações. O livro traz ensinamentos e muitas opiniões do autor. Talvez o apelo elegante do título renda boas vendas aqui na terrinha dos que cultuam o complexo de vira-latas.

Comentários

Postagens mais visitadas