As prisioneiras

Diariamente, 44 mil pessoas abandonam seus lares e se somam à multidão de 68,5 milhões de deslocados pelo planeta.  A principal causa dos deslocamentos são conflitos com as mais diferentes causas, desde disputas territoriais quanto o domínio de grupos paramilitares ou de traficantes de drogas em áreas de cultivo e distribuição de tóxicos. A imensa maioria dos deslocados – 40 milhões – permanece em movimento nos próprios países de origem, enquanto 25,4 milhões de pessoas constituem a massa de refugiados no planeta. Desses, pelo menos a metade vem do Sudão, Afeganistão e da Síria.
Buscar a sobrevivência em locais onde não existem afinidades culturais ou sociais é a realidade dos deslocados, que se adaptam a meios onde, muitas vezes, são recebidos com desconfiança e hostilidade. A paquistanesa Malala Yousafzai, a mais jovem ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, ela própria uma deslocada,  traz as histórias de revistou mulheres e adolescentes que passaram pela experiência de migração em Longe de casa – Minha jornada e histórias de refugiadas pelo mundo (Seguinte, R$ 39,90).   Relatos como o da congolesa Marie Claire, que trabalha no acolhimento a refugiados nos Estados Unidos, depois de ver a mãe ser assassinada em sua frente, em Zâmbia, por homens que não queriam a família em seu país. Ou da colombiana María, que fugiu dos assassinos do pai do interior do país para viver num  campo de refugiados em Cáli ,  controlado por gangues – atualmente, a Colômbia tem 7,2 milhões de “deslocados internos”.
Identificando-se com os relatos da dificuldade de adaptação a outros ambientes,  Malala Yousafzai recorda sua própria trajetória.  Filha de um diretor de escola, em 2009, ela escrevia sob pseudônimo um sobre o direito da educação para meninas muçulmanas na época em que o Talibã dominou a região onde vivia. Jurada de morte pelo Talibã, em outubro de 2012, sobreviveu a uma tentativa de assassinato e passou a morar com a família na Inglaterra.  Dois anos mais tarde, ganhou o Nobel da Paz pela luta contra a “supressão de crianças e jovens e pelo direito de todos à educação”.
A militância da egípcia Nawal El Saadawi também colocou sua cabeça a prêmio. Psiquiatra e escritora, aos 87 anos ela é chamada de “Simone de Beauvoir do Egito”, tendo passado a vida lutando contra todas as formas de opressão contra a mulher, entre elas a tradicional mutilação genital feminina. Em 1978, Nawal lançou A mulher com olhos de fogo (Faro Editorial, R$  34,90), um romance baseado no encontro que teve com uma condenada à morte pelo assassinato de um homem.
“Mal sabia eu que um dia ingressaria pelos mesmos portões não como psiquiatra, mas como prisioneira, detida com outras 1035 pessoas por um decreto promulgado por (Anwar) Sadat em 5 de setembro de 1981”, diz Nawal na introdução, lembrando da prisão de seu marido durante treze anos por “delitos políticos”. Na novela moralista, pouca esperança há para a protagonista Firdaus, cuja biografia retrata a opressão feminina por uma sociedade que relega às mulheres o papel de cuidadoras da família. Aos seis anos, ela sofre a mutilação genital, é seviciada pelo tio que a criou, acaba impedida de seguir uma carreira universitária e obrigada a casar-se, adolescente, com um velho bruto. Foge do marido, tornando-se prostituta e conhecendo, assim, a independência.  Frequentemente espancada por clientes, Firdaus mata um de seus agressores, fechando o ciclo de humilhações a que as mulheres são submetidas socialmente, com aval da legislação ou apenas dos costumes.

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