A gótica é pop

Classificada como gótica, pop e jovem, a argentina Mariana Enriquez é uma escritora pronta a deleitar o leitor contemporâneo. Os contos de seu primeiro livro publicado no Brasil, As coisas que perdemos no fogo (Intrínseca, R$ 29,90), se compunham sobre um cenário de decadência e violência urbana no qual jovens apáticos ou sem grandes ilusões tentavam se encontrar, sem grande perspectiva de futuro. Em Este é o mar (Intrínseca, R$ 29,90), elementos de fantasia se inserem na narrativa, que perde o toque de terror sem deixar de manter a inquietação num romance montado como novela para adolescentes.
Livro Este é o MarO ambiente do romance não poderia ser mais “teen”: os bastidores do mundo do rock e as legiões de fãs que seguem os superstars. Entre essas fãs há jovens que insuflam meninas a se apaixonarem pelos ídolos e até a morrerem por amor a eles. As influenciadoras não são humanas. Sua forma é indefinida e jamais descrita. Helena consegue se destacar entre o Enxame, as garotas que estão nas primeiras filas dos shows, gritando pelos artistas. O que a espanta é que nenhum humano jamais percebeu que os rostos se repetem décadas a fio, passando pelas fãs de Sinatra, Elvis e dos Beatles, entre tantos outros. Sob a pele de adolescentes, esses seres, que não precisam de comida ou bebida nem experimentam as necessidades humanas, fazem vigília na porta de hotéis, pintam os rostos com símbolos que identificam os roqueiros, além de frequentarem assiduamente as redes sociais, alimentando a idolatria em torno de artistas.



A ambição de Helena é tornar-se uma “luminosa”, as que têm a missão de tornar um ídolo uma lenda, com mortes trágicas que provocam, mas que sempre parecem acidentais. Depois que consegue o suicídio de uma jovem fã da banda Fallen, é alçada à nova função, tornando-se assistente do líder do grupo, controlando informações e a vida do astro. Como prêmio pela morte lendária do artista, poderá aposentar-se num outro plano sideral. Caso fracasse, colocará em risco a sobrevivência de todas as Luminosas. E um dos motivos para fracassar é sucumbir ao amor pelo ídolo, o que é facilitado pela convivência intensa ao longo de uma turnê.
Apesar da estrutura de livro de fantasia destinado ao que se convencionou chamar de público “jovem adulto”, Mariana Enriquez, nascida em 1973, está longe de ser uma autora de um produto raso e sem substância. Com um estilo arrebatador, consegue prender o maior crítico de literatura de entretenimento. Não existe explicação para as ações do Enxame ou das Luminosas. As lendas surgem porque devem se eternizar. Se elas movimentam somas milionárias beneficiando o grande capital, não há qualquer discussão ou alerta sobre a manipulação das massas, que fica a cargo desses seres camaleônicos, amorais e sem ideologia. Quem quiser poderá encontrar subtextos que apontam para o vazio existencial de uma sociedade dilacerada econômica e politicamente. Muitos estarão prontos a enxergar na escritora a veia de um Neil Gaimann. Melhor que definir um rótulo é ler Mariana Enriquez.

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