Arrepios num inverno tropical

Talvez o inverno não dê as caras na muy leal y heroica São Sebastião do Rio de Janeiro, mas julho e as férias acontecerão para muita gente leitora daqui e do resto do País. Nos agradáveis dias de temperatura amena nesses tristes trópicos, vale ter uma maleta recheada de leituras para os momentos de se enroscar na rede ou refestelar-se numa cadeira de praia, sob a sombra de árvores ou de uma boa barraca.
Para trazer arrepios ao inverno tropical, vale buscar Ray Bradbury, consagrado como o mestre de uma ficção científica que só ele soube fazer e por, vez por outra, aventurara-se em narrativas de suspense com toques de terror. O título, retirado de uma citação de Shakespeare, não promete nada de bom:  Algo sinistro vem por aí (Bertrand Brasil, R$  35,90) é uma frase de MacBeth. O romance, para leitores da atualidade, lembrará filmes de Steven Spielberg e novelas de Stephen King, ambos admiradores entusiastas de Bradbury. O mais prolífico escritor de terror da atualidade afirma abertamente: “Sem Ray Bradbury, não haveria Stephen King”. Já Spielberg declarou publicamente que Contatos imediatos de terceiro grau foi inspirado pela adaptação cinematográfica de um conto de Bradbury em que uma nave espacial cai no deserto do Arizona e um casal investiga o estranho investigar comportamento da população local desde o incidente.
Algo sinistro vem por aí também virou filme em 1983, com roteiro do próprio Bradbury. No prólogo, Bradbury enfeitiça o leitor com seu estilo envolvente, encantador como seus malévolos personagens. Numa cidadezinha no interior do Illinois, um circo chega em outubro, “um mês peculiar para os meninos”, quando, naquele “estranho, sombrio e longo ano, o Halloween chegou mais cedo”. É numa semana de outubro que os amigos James e William, de 13 anos,  “cresceram da noite para o dia e nunca mais foram tão jovens…”, diz Bradbury, que explica seu próprio espírito em uma das epígrafes: “Eu não sei tudo que vem por aí, mas seja o que for, enfrentarei rindo”, frase de um dos tripulantes do Pequod, em Moby Dick. Não vale adiantar mais uma linha sobre o romance, porque a construção narrativa de Ray Bradbury é uma lição de conquista de público. Como poucos autores, ele sabia dosar o temor pelo desconhecido e a previsão de tempos sombrios com delicadeza, mostrando que a vida sempre pode oferecer diversão e força para seguir em meio a desolações, tristezas, tempestades.
O lado obscuro (Faro Editorial, R$  32,31), de Tarryn Fisher, pertence a outra linha de histórias de mistério, mais atuais, sem um pingo de romantismo ou doçura. Uma escritora acorda sem entender como numa cabana cercada por neve e nada mais. Descobre, drogado, em outro quarto, o médico que a socorreu depois de um estupro. Não há como sair da casa, que tem um suprimento de alimentos para quatro meses. Enquanto tentam descobrir como escapar, seguindo pistas pelos objetos que decoram a cabana, a escritora e o médico se recordam de outras passagens da vida que pode levá-los à liberdade. Com muitas referências às histórias de Stephen King, este thriller traz revelações a cada duas páginas e muita movimentação, apesar da escassez de personagens.
A venezuelana Karina Sainz Borgo – convidada para a Flip deste ano – foi morar na Espanha em 2006, quando Hugo Chavez completava seu segundo mandato. Desde então, retorna a Caracas todos os anos e, com o olhar de expatriada, tem avaliado a decadência de seu país. Noite em Caracas (Intrínseca, R$  39,90) apresenta um cenário devastado pela escassez de alimentos, de combustível e dominado por milícias, onde uma mulher sofre com a morte da mãe e sonha com o exílio. Menções a Chavez e a Nicolás Maduro são evitadas nesta Caracas arruinada, com cortes de luz constantes, a violência à espreita em cada esquina. O romance, um best-seller na Espanha,  já foi  vendido para 24 países.

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