Os tumultos dos tempos

Quem cresceu nos anos 1960 certamente concordará com o título das memórias do poeta alemão Hans Magnus Enzensberger sobre aquela década: Tumulto (Todavia, R$    64,90). A Guerra Fria ainda não se consolidara a ponto de derrubar o charme dos intelectuais europeus de esquerda, que se alinhavam ao comunismo soviético, embora vivessem sob o capitalismo. Enzensberger,  poeta que recém alcançara a fama e o reconhecimento pela qualidade de sua literatura, faz viagens à União Soviética, vive um ano em Cuba, envolve-se com os movimentos de esquerda na Alemanha e fala sobre aquela época de intensos conflitos políticos e ideológicos.
Lançado em 2014 na Europa, o livro partiu das anotações – encontradas por  Enzensberger em seu porão – sobre as duas idas à União Soviética, a primeira, em 1963, para um encontro entre escritores ocidentais e orientais. O grupo ilustre tinha como maiores estrelas os franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, além do italiano Giuseppe Ungaretti e os ingleses William Golding e Angus Wilson, entre outros do Ocidente. Pelo Oriente, alguns dos nomes eram os russos  Ievguêni Ievtuchenko e Iliá Ehrenburg e o húngaro Tibor Déry.  Um dos pontos altos do relato é a visita à casa do poderosíssimo secretário-geral do partido comunista, Nikita Khruschóv, que brinda os intelectuais com um discurso de 50 minutos “desprovido de qualquer conexão lógica”, no qual “mesmo a indignação (…) não parece nova, expressa-se como se tivesse vindo à sua mente pela centésima vez”. O desconforto do anfitrião e de seus convidados é claro para Enzensberger, que tenta passar o mais despercebido possível, pois dias antes, num passeio de barco, criticara a política soviética para um desconhecido, que descobre ser genro de Khruschóv.
É na segunda viagem à União Soviética que ele percorre diversas localidade e conhece sua primeira mulher, Masha, com quem vai morar em Cuba. Entremeando as lembranças de seus sentimentos e suas incursões em outros países, Enzensberger traça um notável panorama sobre as correntes ideológicas que se firmam na Europa do pós-Segunda Guerra Mundial. A reflexão sobre um tempo em que a iconoclastia ainda não havia sido totalmente capitalizada pela indústria cultural mostra o ceticismo de Enzensberger, que se entusiasma com as novas ideias, mas não a ponto de se deixar levar pelo radicalismo. Diverge dos militantes do grupo Baader-Meinhoff, pois não vê sentido no uso de ações violentas para “derrubar o sistema”, da mesma maneira que não aceitava as posturas dos nazistas, quando adolescentes. À frente do grupo, “o abominável Andreas Baader, um malandro dissimulado”, que tinha a postura “de um gigolô” diante das mulheres, profere o veredicto: “Fui unanimemente declarado um covarde, porque não tive vontade de participar de suas provas de coragem”. A ironia e pouca indulgência se destacam na narrativa, recheada de personagens famosos, participantes da história que se desenrola em frente ao autor. Este, mantém-se no papel de analista e observador.
Recordações desse mesmo período, estendendo-se pelos anos 1970, serviram para o jornalista Cid Benjamim traçar recomendações de segurança diante das reviravoltas políticas no Brasil. Em Estado policial – Como sobreviver (Civilização Brasileira, R$  29,90), Benjamim, que foi dirigente do MR-8, trata abertamente do crescimento das milícias como poder paralelo no País e fala sobre os cuidados com a privacidade em tempos de vigilância pelos meios digitais. Um texto elucidativo e bastante inquietador, que não deixa de lado a esperança, ao citar, na conclusão, o verso de Chico Buarque: “Amanhã vai ser outro dia”.

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