Uma relação de amor e indiferença

Segundo a Bíblia, Deus criou o homem para reinar sobre os demais animais.  O reinado, como muitos outros, é absolutista e cruel: mamíferos, aves, peixes e répteis são abatidos em nome da alimentação e proteção dos frágeis corpos humanos. Mesmo que a justificativa para a criação de animais se prendesse apenas aos aspectos da sobrevivência humana, não há razão plausível para ricaços despenderem fortunas em safáris onde matarão elefantes ou leões, ou a caça a focas e pequenos mamíferos cujas peles são usadas em vestimentas, quando existe tecnologia para produção de roupas aquecidas sintéticas. No momento em que a Humanidade mais demonstra paixão pela convivência com animais de estimação também se registram os maiores atentados à vida de espécies criadas e nutridas para servir ao homem, como o extermínio preventivo de aves a cada epidemia de febre aftosa.
É sobre a contradição entre a defesa de espécies ameaçadas e a indiferença quanto às condições de criação de pássaros espremidos em viveiros ou de porcos que passam a vida em chiqueiros de onde são levados diretamente para abatedouros que trata o jornalista Matthew Scully em Domínio – O poder humano, o sofrimento dos animais e um pedido de misericórdia (Civilização Brasileira, R$ 79,90). A discussão inclui o questionamento da ética que proíbe o uso de animais em experimentos de cosméticos e mas permite uma verdadeira carnificina pela indústria alimentícia.  O estudo minucioso de Scully abrange também os esforços de fazendeiros que buscam um tratamento “mais digno” para animais que serão abatidos, com criação em espaços amplos ou até ao ar livre, o que encarece o custo do produto consideravelmente. Não há conclusão direta sobre os dilemas da humanidade no trato com animais, porém a condenação é clara quanto à caça de filhotes de macacos nigra que têm os crânios perfurados; mal cessam as convulsões e os macaquinhos morrem, os cérebros são servidos crus para endinheirados, que se deleitam com a degustação de tais iguarias raras e caríssimas.
Ao lado das caçadas, das corridas de cavalo e das touradas, as brigas de galo são execradas por boa parte dos que respeitam os direitos dos animais – até os que se mantêm fieis à alimentação carnívora. Mas é com as rinhas como pano de fundo que o mexicano Juan Rulfo apresenta a saga de Dionisio Pinsón, impedido de trabalhar por um braço mutilado, que passa a ganhar a vida como “gritador” em briga de galos. Acaba ganhando um galo moribundo, que salva da morte e se torna um campeão nas rinhas em lugarejos do país. Uma radiografia social de um país em constantes mutações, a narrativa, escrita entre 1958 e 1959, O Galo de Ouro (José Olympio, R$ 42,90) chegou a público na versão cinematográfica adaptada por Carlos Fuentes e Gabriel Garcia Márquez, para o filme do diretor Roberto Galvadon, lançado em 1964. Com uma obra limitada a alguns contos, novelas e um romance, em vida, Rulfo, um dos mestres do realismo fantástico, lançou apenas dois livros, o clássico Pedro Páramo (BestBolso, R$ 27,90) e Chão em Chamas (BestBolso, R$ 27,90). O Galo de Ouro foi lançado em 1980, seis anos antes de sua morte.
Uma visão mais terna sobre a vida ao lado de animais está em Crônicas para ler com seu cachorro (Tinta Negra, R$ 25), uma encantadora coletânea de casos recolhidos pela veterinária Silvia Parisi entre os donos de seus pacientes. Além de quem optou por dedicar-se a animais em vez de ter filho, há histórias como a do homem que troca a cama que dividia com a mulher pelo sofá, onde adormecia enroscado ao cachorrinho.

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