A construção da autoridade

No início dos anos 1990, a psicóloga Tania Zagury lançou o primeiro de uma série de livros em que defendia o direito de pais e mães exercerem autoridade na criação dos filhos. Entre os diversos títulos que assinou, todos com imensa procura por pais de primeira ou de várias viagens, inseguros quanto a orientar uma geração de crianças e adolescentes desacostumados a acatar ordens dos adultos, Limites sem trauma (Best-seller, R$ 39,90), chega à 95ª edição revisada e com um subtítulo definindo seu público “Construindo cidadãos: para pais do século XXI”.
Por cidadãos, entenda-se: pessoas de boa escolaridade, dispostas a aceitar e lutar pelos desassistidos. Embora destinado claramente a adultos de classe média que vivem no meio urbano, o livro aborda as dificuldades comuns a todos os estratos sociais diante da crescente ausência de autoridade dos pais e mães – principalmente depois do advento da Internet e da entronização do público infanto-juvenil como “influenciadores” do consumo das famílias.  O texto considera seu público de maneira bastante uniforme. Fala-se em playground, no computador do pai, idas a restaurantes – um cotidiano que a imensa maioria da população brasileira desconhece. Não há menção a problemas básicos dos moradores de áreas sob o jugo de milícias e traficantes, que vivem dilemas morais pela proximidade com o crime. Também ignora a independência das crianças pobres, desde muito pequenas acostumadas a cuidar da casa, de irmãos menores e a cozinhar. Contudo, ao tocar num ponto bastante polêmico sobre os métodos de controle dos filhos – a coerção pelas palmadas -, a autora menciona uma realidade ainda bastante comum no Brasil: a complacência em relação a agressões dentro do seio familiar.
Ao fechar os olhos para a abissal desigualdade social brasileira, o livro parece merecer mais uma revisão a fim de atingir um universo mais abrangente de leitores.  No entanto, o objetivo principal é domar pirralhos mimados e malcriados –  espécimes que perpassam qualquer grupo da sociedade. Assim, consegue falar diretamente com  quem botou no mundo a Geração Canguru, millenials ou qualquer que seja a denominação dos grupos nascidos e criados na virada do século, principalmente entre os que se distanciam dos filhos, quase terceirizando os cuidados com crianças, devido às obrigações de trabalho ou ao próprio comodismo.
Comprovando que a crise de autoridade não é uma exclusividade brasileira, destinado a menores de 13 anos, Diário de uma pestinha (Galera Júnior, R$ 34,90), das irmãs francesas Virginy L. Sam e Marie-Anne Abesdris, conta algumas das ações de Fafinha, uma pré-adolescente que faz de tudo para levar a vida sem obedecer às regras (mal) impostas pelos pais. Ela não é a pior das alunas, mas está longe de se destacar nos estudos; vive uma relação de amor e ódio com a irmãzinha pequena; tem adoração pelos avós e, sempre que pode, ridiculariza os pais. Uma garota igual a tantas outras, que desbrava as fronteiras entre o permitido e o proibido, enquanto se apaixona por astros pop e despreza a maioria de seus conhecidos, incluindo professores. Afinal, transgredir é parte do amadurecimento de qualquer pessoa!
23/04/2008

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