Leituras para o início do resto da vida

A literatura ocidental fez do jovem intrépido seu personagem favorito, desde os órfãos pobres que saiam mundo afora para procurar emprego, em contos de fada, ou na pele do provinciano  D’Artagnan, que, aos 18 anos, deixa a Gasconha com o propósito de integrar a Guarda Real, juntando-se aos Três Mosqueteiros.  Em 1951, J.D. Salinger trouxe um novo enfoque para a juventude, dando voz às inseguranças da adolescência através de  Holden Caufield, o protagonista do Apanhador no campo de centeio.  Hoje, adolescentes irritados e irritantes ocupam páginas e páginas de livros destinados exatamente para eles, reproduzindo a imagem estabelecida para os jovens pós-Holden Caufield: donos de si, angustiados e com pouca vontade de integrar-se ao mundo adulto.
Descobertos como um grupo ávido de consumidores, a literatura para adolescentes  tornou-se um significativo nicho no mercado editorial. Entre os autores mais destacados no gênero está David Levithan, criador de diversos romances gays para jovens. Um dos mais bem-sucedidos, Todo Dia (Galera Record, R$ 42,90), adaptado para o cinema, voltou às livrarias em nova edição. Sem limitar-se às preocupações naturais da adolescência, Levithan transita pelo realismo fantástico com “A”, que acorda todo dia num corpo diferente, sempre na mesma faixa etária, variando de gênero e etnia. Um dia, ao ocupar o corpo de Justin, se apaixona pela namorada do menino, Rhiannon. Sem discutir diretamente o sentimento de inadequação – tão comum aos adolescentes -, Levithan aborda, com delicadeza, questões como racismo, preconceito e sexualidade.
Para o roteirista Héctor Lozano, que criou a série televisiva Merlí, sobre o professor irreverente, transgressor, socialmente desagradável, porém um instigador das mentes jovens, o adolescente é um ser em buscas de respostas para os desafios que surgem em qualquer idade. Lozano e a jornalista Rebeca Beltrán assinam  A filosofia de Merlí (Faro Editorial, R$ 44,90), um livro interativo destinado principalmente para os seguidores da bem-sucedida série que acompanha o professor amoral, sedutor, sem o menor respeito pela ordem estabelecida, mas que sabe estimular o raciocínio da  turma de estudantes de Ensino Médio. À semelhança de seus alunos, Merlí, chegando aos 50 anos, mora na casa da mãe por falta de recursos financeiros para pagar sua própria casa. E conquista os jovens por sua personalidade libertária, pouco convencional, mas, principalmente, por considerar os adolescentes seres pensantes, com possibilidades múltiplas de viver sem submeter-se a todas as amarras sociais vigentes.
Fartamente ilustrado, o livro relembra algumas passagens da primeira temporada da série. A divisão em capítulos segue os episódios, que apresentam conceitos de diferentes correntes filosóficas, sem ordem cronológica. Maquiavel aparece antes de Aristóteles, Guy Debord precede Epicuro. Comentários sobre as tramas envolvendo os personagens servem para convocar o leitor a refletir sobre a existência em geral e a pensar a adolescência ou outras fases da vida. Indicado para maiores de 14 anos, pode ser compreendido por pré-adolescentes por abordar os anseios e dilemas que se iniciam precocemente – e que podem atormentar mentes imaturas, que se recusam a abandonar a proteção do núcleo familiar.

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