A atualidade da angústia feminina – uma leitura necessária

m 1991, Naomi Wolf lançou O Mito da Beleza (Rosa dos Tempos, R$ 69,90), que  – mais do que oportunamente – acaba de ganhar nova edição brasileira, depois de muitos anos esgotado. O contundente estudo sobre a principal forma de opressão às mulheres ocidentais no fim do século XX apontava a beleza como substituto da religião no controle social das mulheres que vivem no Ocidente desde o advento da pílula anticoncepcional. Duro é constatar que os métodos repressivos aumentaram e se sofisticaram ao longo de quase trinta anos.
O massacre diária quanto à inadequação dos corpos femininos chega pela imprensa, pela publicidade e se fortalece na divulgação de imagens de “celebridades” de rostos belíssimos e corpos mantidos magros por força de dietas rigorosas e exercícios físicos pesados. Segundo Naomi Wolf, a angústia das mulheres quanto à gordura – 70% das jovens universitárias norte-americanas acreditam que precisam emagrecer entre 2 e 5 quilos – comprova a noção de que os corpos femininos pertencem à sociedade. Regimes alimentares, mais do que uma adequação estética ou preocupação com a saúde, são exigências sociais e requisitos para o mercado de trabalho. Algo expresso na declaração da personagem fictícia Anna Scott, protagonista da comédia romântica Notting Hill: “Estou de dieta desde que completei 19 anos: isso significa que, basicamente, passo fome há uma década (…) e fiz duas cirurgias dolorosas para chegar a esta aparência”. Uma fala que poderia ser da atriz Julia Roberts, que interpretou Anna no filme, ou de qualquer estrela de Hollywood.
Mais do que um libelo feminista, O Mito da Beleza propõe uma reflexão sobre o sistema capitalista que se alimenta do consumo de produtos cosméticos e farmacêuticos, lançando no mercado artigos de eficácia nula ou limitada, com resultados bem distantes do que apregoam. Enquanto rende fortunas aos fabricantes, a indústria da beleza se alia às intervenções cirúrgicas oferecendo às mulheres parâmetros estéticos impossíveis de serem cumpridos. Essa sensação de inadequação leva mulheres a se isolarem em casa ao envelhecerem, diz a antropóloga Mirian Goldenberg na apresentação da edição brasileira. “No Brasil, o corpo é um verdadeiro capital”, afirma Mirian, lembrando que as brasileiras são as maiores consumidoras de ansiolíticos, moderadores de apetite, tinturas para o cabelo e a recorrerem a cirurgias plásticas invasivas ou ao uso de botox no mundo.
Naomi Wolf credita o aumento dos casos de anorexia à falsa percepção feminina sobre os próprios corpos devido à disseminação da indústria pornográfica, que apresenta mulheres magras, de seios aumentados cirurgicamente. Paralelamente, os cuidados com os corpos masculinos se intensificaram nas últimas décadas, porém não chegaram a ficar muito diferentes das estátuas que retratavam atletas da Antiguidade, enquanto as formas femininas idealizadas se reduziam drasticamente nos últimos 50 anos.
Nas apresentações às edições de 2015 e 2002 do livro, Naomi Wolf comemorava que mulheres não-brancas tenham surgido – ainda que discretamente – como modelos de beleza, mas lamentava o aumento da erotização dos corpos de meninas de até 9 anos, que seguem a moda de “estrelas pop que se vestem como profissionais do sexo”. Apesar dos processos contra assediadores e estupradores, o fim da cultura da consagração feminina como objeto de desejo masculino está ainda muito distante.
16/06/2008

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