SOBRE COVID, DESIGUALDADE E RACISMO.

 


Passou outubro, eu em férias e a Covid me deixou três semanas esperando apenas a sobrevida – que veio. Não sei onde ou como me contaminei, passei mais de um ano cumprindo o isolamento social possível, sem andar à toa na vida.

Sobre a Covid, aproveito o espaço e a atenção de meus 17 leitores (como dizia o Xexéo) para abrir uma observação. Não podemos desdenhar uma doença que matou 600 mil brasileiros, entre eles uma das maiores amigas de minha vida, um primo e dois colegas muito queridos, sem contar pais e parentes de pessoas próximas. A Covid está tão perto quanto a violência urbana e o discurso do governo central, que minimizou o quanto pôde essa calamidade, faz a população encará-la com a mesma normalidade que enfrentamos a barbárie nas metrópoles ou a vergonhosa desigualdade social do País.

A convalescença me trouxe como sequelas a fadiga e certa incapacidade criativa, prejudiciais para um ofício que exige atenção e agilidade na composição de textos. Minha companhia na enfermidade, como sempre, era a leitura, apesar do intenso cansaço. Uma delas foi Covid 19 – Emoções em colapso (Brazil Publishing, R$ 69), da psicóloga Carina Alves, que, ao longo de quinze meses, recolheu relatos de quem teve a doença ou conviveu com pacientes. O inusitado do livro, para o leitor brasileiro, é sua apresentação. Pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação, Diversidade e Inclusão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Carina é autora de livros infantis em multiformato, que trazem letras em tamanho muito acima do habitual em publicações, além de descrições precisas de todas as imagens apresentadas, permitindo a leitura por quem tem dificuldades visuais. O drama dos que buscaram internação em hospitais públicos ou particulares lotados, o temor da contaminação, a dor da perda de parentes e amigos, a esperança com a vacinação – sensações e sentimentos experimentados por cada brasileiro – fazem de Emoções em colapso um documento tocante do que as estatísticas não contam sobre a pandemia.

O inconformismo perante a opressão social – e cultural – é o que movimenta a jovem Adunni, protagonista de A garota que não se calou (Verus, R$ 41,90), de Abi Daré, a fugir do casamento com um homem de meia-idade no interior da Nigéria, em busca do sonho de se tornar professora. Aos 14 anos, ela se torna a terceira esposa de um motorista de táxi em troca de alimentos e um dote para sustentar seu pai e irmãos. Escapa da aldeia e vai para a capital, Lagos, onde cai em mãos de um agenciador de empregadas domésticas que trabalham por um prato de comida diário, mas não esmorece. Autodidata, ela aprimora os conhecimentos de inglês para concorrer a uma bolsa de estudos, pois entende que apenas a educação permitirá que tenha uma vida menos sofrida. Best-seller do New York Times, o livro rendeu prêmios à Abi Daré, nigeriana radicada na Inglaterra, e é um “vira-página” fascinante, que demonstra a evolução dos conhecimentos da curiosa Adunni através da ampliação de seu vocabulário e sofisticação das formas de expressão.

Romance de estreia da norte-americana Zakiya Dalila Harris, não falta intriga em A outra garota negra (Intrínseca, R$ 69,90). Nella Rogers já se acostumou a ser a única negra entre todos os assistentes editoriais. A permanente sensação de deslocamento poderia melhorar com a chegada de outra jovem negra, Hazel, que, no entanto, parece decidida a tomar o lugar de Nella, apropriando-se de suas tarefas, de suas ideias e projetos. Além de ter que lutar para se manter no emprego, Nella precisa se aliar à Hazel, que encanta a todos por sua assertividade. A animosidade entre as duas mulheres se desenrola numa narrativa que transita entre o thriller psicológico e a exposição do comportamento assertivo da população negra norte-americana para firmar posição dentro de uma sociedade racista e hostil.

(publicado em novembro de 2021)

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