DE FRENTE PARA O CRIME

 


Em criança, nas férias, toda tarde eu mergulhava nos livros policiais que meu pai havia guardado desde os anos 1940, e me sentia como se vivesse intensamente aqueles dias de folga. Amadureci como leitora, mas preservei o imenso prazer que thrillers oferecem, voltando, vez por outra a clássicos de Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Patricia Highsmith, James M. Cain, e, claro, Agatha Christie, a mais bem-sucedida autora do gênero – e devidamente desprezada por muitos críticos.


Para reviver a sensação de folga que a leitura me proporcionava naquelas distantes férias da infância, reli, ao longo de dez dias, diversos policiais, a maioria de Dame Agatha, nos últimos dias. E, sim, sua obra é irregular mesmo. Ao lado de tramas bem cuidadas e farsas urdidas com maestria, estão diversas obras sem tantas maquinações, concluídas apressadamente. Com 93 livros e quase vinte peças para teatro, é compreensível que nem toda a produção alcance tanta qualidade – até porque Agatha não mantinha um grupo de pesquisadores e colaboradores, prática corriqueira nos escritores de bestsellers da atualidade, mas inaugurada por Alexandre Dumas, o rei dos folhetins, que empregou pesquisadores e redatores, entre eles Auguste Maquet, hoje visto como um coautor de suas principais obras.


Há anos me desfiz da coleção quase completa que tinha de Agatha Christie, pois os fungos me impediam de manusear os livros. Guardei uns poucos, comprei/ganhei dois ou três. Nas releituras atuais estavam dois Poirot – O mistério do trem azul (LP&M, R$ 36) e Os cinco porquinhos (Globo, R$ 18) –, três Miss Marple – Mistério no Caribe (LP&M, R$ 30), O caso do hotel Bertram (Bestbolso, R$ 18) e A maldição do espelho (LP&M, R$ 36) – e o sarcástico OSegredo de Chimneys (Bestbolso, R$ 24 ), que não tem um detetive fixo, levando o leitor a suspeitar de quase todos os personagens. Dos seis, o melhor é Mistério no Caribe, sinistro e bastante realista. Chimneys delicia os admiradores do humor britânico, embora a trama delire mais do que o recomendável, assim como Bertram. Cobiça e inveja quase sempre motivam os crimes, embora vingança e paixões também ensejem soluções cruéis. Mas o que vale na leitura de Dame Agatha é retomar a descoberta de uma autora falsamente ingênua, que falava de desejo, de sexo e da maldade humana com uma doçura maquiavélica.


Para contrabalançar o langor do desenrolar das histórias da britânica, encontrei uma novela que não conhecia de Dashiell Hammett, talvez o maior entre os melhores do policial. Mulher no escuro (LP&M, R$ 19,90) foi publicada numa revista em 1933 e se escora nas atitudes inesperadas de pessoas que se conhecem casualmente, numa noite. Em poucas páginas, Hammett traça as vidas pregressas de sua protagonista e de quem ela vai encontrando, enquanto foge de uma relação tóxica. Personagens anticonvencionais, com um pé na marginalidade se sucedem para ganhar espaço definitivo no cotidiano que se desenha para a jovem e todos que ela conquista, apesar de ser, nitidamente, um convite a problemas incessantes. Uma pequena joia que vale até para quem nunca leu o mestre.


Surpresa grata é o divertidíssimo romance de estreia da editora Nita Prose, A camareira (Intrínseca, R$ 47,90), que tem como cenário quase único o hotel de luxo onde Molly Gray trabalha arrumando quartos. Aos 25 anos, com dificuldades de compreensão e interação social, a narradora é de uma inocência quase doentia, desde a morte da avó que a criou. Ao encontrar um cadáver na suíte mais cara do hotel, ela oscila entre os papeis de testemunha a suspeita pelo crime, surpreendendo-se ao descobrir que nem todos são o que aparentam. Os direitos para a adaptação cinematográfica já foram negociados.


(abril, 2022)


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