HISTÓRIAS DE VIDA, DE ECONOMIA E DE TECNOLOGIA

 


Um dos mais ingratos gêneros literários é a biografia – e não apenas pelas reclamações ou processos dos biografados e de suas família contra os autores. Contar a vida “real” de alguém sem parecer um amontoado de datas e situações, transformando o texto em algo atraente, mesmo que não venha recheado de indiscrições sobre o retratado e, principalmente, com comedimento nos elogios ao caráter e inteligência do protagonista é muito difícil.


Alguns biógrafos, como Stefan Zweig, se derramavam de paixão pelos objetos de seus livros, defendendo ardorosamente comportamentos, episódios polêmicos e decisões equivocadas. Sua Maria Antonieta, retrato de uma mulher comum (Zahar, R$ 74) traz um sensível olhar sobre uma jovem aristocrata, detalhando seu despreparo para a função de rainha e muita firmeza ao se ver condenada à morte, junto com a família, por motivos políticos. O pano de fundo da Revolução Francesa emoldura essa vida breve, imortalizada por lendas desfavoráveis sobre futilidade e inconsequência.


Se artistas e aristocratas colecionam situações que podem atrair leitores, a trajetória de um comerciante precisa focar em seu empreendedorismo, resultando, muitas vezes, em livros burocráticos, nos quais falta exatamente o apreço pela imagem do biografado. A jornalista Luciana Medeiros foge dessa mesmice em Arthur Sendas – Uma história de pioneirismo e inovação (Máquina de Letras, R$ 59), ao levantar a saga da família de imigrantes portugueses que a partir de modestos armazéns em São João de Meriti, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, criou a segunda maior rede de supermercados brasileiros – a maioria deles localizada em terras fluminenses. A argúcia de Arthur, que só estudou até metade do atual ensino básico para trabalhar ao lado do pai, do negociante Manoel Antônio Sendas, fez do negócio familiar uma empresa forte, que chegou a ter 14 mil empregados e 58 lojas nos anos 1990.


Apesar do olhar voltado para a evolução das compras no varejo sem interferência de vendedores, Arthur Sendas era um empresário das antigas, mantendo uma relação afetuosa e paternalista com os empregados. Em seu velório, em 2008, muitos agradeciam à família Sendas pelos estudos em universidade bancados por “seu Arthur”, enquanto um servente lembrava que o patrão comprara uma casa para seus pais na Paraíba. Na virada do milênio, a Sendas e a rede Pão de Açúcar se juntam em uma única companhia. No entanto, o assassinato de Arthur, em casa, por um empregado da família, acaba determinando o fim das lojas das Sendas, transformadas nos mercados Extra.


Fora os aspectos pessoais e o tino comercial de Sendas, a biografia mostra a transformação do mercado varejista brasileiro, que, na virada dos anos 1960, sepulta definitivamente as vendinhas de bairro, hoje limitadas a comunidades muito distantes dos centros comerciais. Uma modernização que exigiu de Artur Sendas habilidade em lidar com diferentes cenários políticos e a cativar a clientela promovendo shows de música com artistas de sucesso, entre eles Roberto Carlos, para inaugurar lojas. Foi ainda uma das primeiras empresas a ter um garoto-propaganda exclusivo, o locutor e publicitário Carlos Henrique (lembrado pelas gerações mais antigas por seus jargões “Água e cafezinho Sendas de graça” e “Duvidamos que alguém venda mais barato”), mais tarde gerente de publicidade das Sendas. A narrativa ritmada e leve de Luciana Medeiros mostra quanto o legado de Arthur Sendas se inscreve na construção do Brasil contemporâneo e tecnológico.


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