À FLOR DA PELE

 


Há alguns anos surgiu uma onda entre os leitores de passar um ano lendo apenas livros assinados por mulheres. Não entrei nessa moda pois gênero biológico está longe de determinar minhas escolhas. Conferindo minha lista de leituras deste ano descobri que estou bem distante do equilíbrio entre os sexos: de 22 livros lidos de janeiro até meados de março, 16 são de autoria de mulheres. Em comum, boa parte falam sobre vidas que chegam a um ponto de ebulição, como O avesso da pele (Companhia das Letras, R$ 34,90), que deu a Jeferson Tenório o Jabuti de 2021.


O relato da vida de um professor de Português sob o olhar do filho, para quem o preconceito racial torna-se um norteador comportamental (sair de casa com roupas convencionais e discretas, sempre portar documentos, ouvir observações racistas sem reagir), é didático para um público que jamais enfrentou humilhações por não ter “boa aparência”, como exigem anúncios de empregos. O país com maior número de negros fora do continente africano ainda não se entendeu com suas diversas etnias, tratando como folclóricos traços culturais que se estendem em todos os aspectos sociais, solidificando uma desigualdade que se choca com a dita cordialidade brasileira. O romance não abre espaço para ressentimento, apresenta um cotidiano brutal na história da família a partir da execução do professor durante uma abordagem de policiais.


Também à beira de um ataque de nervos está a babá Maju, que dorme na Suíte Tóquio (Todavia, R$ 34,90), apelido que sua patroa, Fernanda, dá ao quartinho de empregada. Fernanda, profissional bem-sucedida, terceiriza os cuidados com a filha Cora, de 4 anos, para se dedicar à carreira e a um caso extraconjugal. Maju, que recebeu um bom aumento salarial para não se deslocar até sua própria casa durante a semana, decide sequestrar a menina, a quem se afeiçoou muito, ao saber da possibilidade de perder o emprego. Percorrendo estradas do Sudeste e Sul do país, ela imagina uma nova vida com a criança, enquanto os pais e a Polícia iniciam buscas desesperadas pela dupla. Em ritmo acelerado como os atuais seriados televisivos, o texto ágil jamais deixa de abordar as razões de cada personagem, sem julgamentos morais. Todos têm razões e desconhecem completamente o que é se colocar no lugar do outro.


O não pertencimento é a marca de Luísa, a protagonista de Cada despedida (Roça Nova, R$ 36,90), da argentina Mariana Dimópulos. Em fragmentos de memórias, ela, que parece estar sempre à flor da pele, monta sem qualquer ordem cronológica sua trajetória em diversos países, onde coleciona amizades e amores, desde que deixou o pai, adoentado, em Buenos Aires. Na Alemanha, se despede de um namorado apaixonado, na Espanha, uma amiga maternal. De volta à Argentina, ela arranja emprego numa fazenda, onde pensa ter encontrado segurança, mas um crime revira todo o seu mundo. Montar o quebra-cabeças narrativo é mais um aspecto fascinante para o leitor, que precisa se orientar ao longo de épocas e lugares distintos.


A desordem cronológica escolhida pela espanhola Elena Medel dá ritmo a As maravilhas (Todavia, R$ 51,90), que situa num período de 50 anos as existências paralelas de três mulheres que, por diferentes circunstâncias, estão separadas umas das outras, embora sejam da mesma família. O dinheiro – ou a falta dele – é determinante no enredo para as escolhas de cada mulher, que rejeitam referências do passado num constante aprendizado de construção de felicidade.


Chega ao Brasil M, o homem da Providência (Intríseca, R$ 99) o segundo volume da série sobre Benito Mussolini e a ascensão do fascismo, do italiano Antonio Scurati. Com o primeiro livro, que será adaptado para telessérie, Scurati ganhou o Strega 2019. A profunda pesquisa aborda os anos de 1925 a 1932, mostrando a fragilidade da saúde do Duce, estressadíssimo com os problemas políticos, enquanto fechava o importante acordo o com o papa Pio XI, que tornou o Vaticano um Estado e a religião católica oficial na Itália. Não à toa, Mussolini aliou à sua imagem as honrarias recebidas da Igreja, tornando-se uma figura cultuada enquanto estava no poder.



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