Uma questão de desconforto

 O comediante Chris Rock, conhecido pelas piadas cáusticas, em um antigo show teatral, fazia uma pergunta à plateia para demonstrar o que é racismo intrínseco – inclusive entre seus admiradores. “Não há um só homem branco aqui dentro  que queira trocar de lugar comigo. Nenhum de vocês. Ninguém aqui  trocaria de lugar comigo, e eu sou rico!”

O público de Chris Rock está acostumado com sua contundência e as situações desconfortáveis que ele provoca ao abordar o racismo. Nada poderia estar mais distante do que propõe o comentarista esportivo Emmanuel Acho, que criou uma série de programas em seu canal de YouTube para abordar o racismo intrínseco e as formas de eliminar a desigualdade em todos os campos – educacional, profissional e, principalmente, no discurso. A websérie teve mais de 17 milhões de visualizações e acabou transformada no livro “Conversas Desconfortáveis com um Homem Negro” (Leya, R$ 34,90), um best-seller que rapidamente chegou à lista dos mais vendidos nos Estados Unidos, em dezembro de 2020.

O desconforto está em cada tópico que Acho, filho de um casal de nigerianos radicado em Dallas, no Texas, escolheu para analisar as relações sociais em seu país. Criado num bairro de brancos de classe média, ele diz que sua família vivia a cultura da Nigéria e que só quando ia à igreja, aos domingos, tinha contato com os costumes dos negros americanos. Sua própria percepção da diferença de tratamento aos negros só foi despertada quando estava na universidade. Até então, conta, havia sido “exposto aos mesmos estereótipos sobre os negros que as crianças brancas” e tinha a impressão de que  “a única maneira verdadeira de ser negro” era adotar  o visual e atitude agressivos de um rapper.

Ao longo de uma bem-sucedida carreira como atleta, Emmanuel Acho recorda ter enfrentado algumas demonstrações de racismo de colegas, sem jamais entrou em confronto físico. No livro, diz que prefere informar a impor agressivamente conceitos que são tomados como “racismo reverso” por muitas pessoas que não se dizem racistas.

Ao dissecar questões incômodas, mas aparentemente “radicais”,  como a das apropriações culturais reivindicadas pelos negros (uso de turbantes ou tranças rastafári) e a terminologia apropriada para chamá-los (negro/preto/afrodescendente), Emmanuel Acho se aproxima de temas muito conhecidos pelos brasileiros.  E também a violência a que são submetidos os negros norte-americanos, semelhante à vivida pelos brasileiros, porém com diferenças básicas inerentes ao desenvolvimento de cada país. A população afrodescendente norte-americana corresponde a 13% dos que vivem nos Estados Unidos. No Brasil, segundo o IBGE, dos 209,2 milhões de habitantes, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89, 7 milhões se declaram como pardos, o que, somado, corresponde a 56,1% da população brasileira. As semelhanças existem, embora o percentual de negros nas prisões (35% dos homens, 44% das mulheres) americanas seja muito inferior aos números brasileiros, onde negros somam mais de 60% da população carcerária.

Embora cutuque o preconceito sem qualquer temor, Emmanuel Acho trata com humor os “temas menores” do racismo, como o uso de nomes africanos pelos negros norte-americanos, enquanto traça o histórico do movimento pelo fim do segregacionismo nas leis de diversos estados do Sul do país. A proposta de Acho não é apenas do fim do racismo, mas que todos se tornem militantes antirracistas, a única maneira de eliminar conversas desconfortáveis na sociedade.

19/7/2021

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