A culpa e o charme nos crimes de Patricia Highsmith

 Os livros de “capa dura” perderam a primazia faz tempo no mercado brasileiro. Preço, principalmente, entronizou as brochuras na preferência dos leitores, mas talvez a possibilidade de estampar imagens bonitas nas capas flexíveis, a custos inferiores, tenha determinado o domínio de sua oferta nas livrarias. Edições especiais vêm saindo com capa dura, muitos em caixas, e de autores consagrados. A coleção Clássicos Zahar adotou capa dura até nas edições de bolso, umas lindezas. A Record aproveitou os 50 anos de lançamento de Cem anos de solidão para emendar com uma caixa contendo também, em capa dura, O amor nos tempos do cólera e Crônica de uma morte anunciada (Record, R$ 159, o box). A Nova Fronteira fez caixas com obras de Boccacio, Jane Austen, entre tantos outros, e relançou a coleção Clássicos de Ouro em capa dura, além de outros títulos célebres e outros menos populares, como A casa soturna (Nova Fronteira, R$ 79,90), de Charles Dickens.

Embora já venha investindo em muitos volumes de capa dura, incluindo os de seu clube de assinaturas, o Intrínsecos, a editora Intrínseca está comemorando os 100 anos de nascimento da norte-americana Patrícia Highsmith com o relançamento da série protagonizada por Tom Ripley, hoje mais conhecido pela interpretação de Matt Damon, que encarnou o charmoso sociopata em adaptação cinematográfica de Anthony Minguella. Os espectadores já haviam sido apresentados ao escroque em O sol por testemunha, em 1960, interpretado por Alain Delon na versão de René Clement para O talentoso Ripley, que chegara às livrarias cinco anos antes. O sucesso do filme pode ter contribuído para a retomada, pela escritora, do amoral e carismático salafrário em Ripley Subterrâneo, publicado em 1970. Depois vieram O jogo de Ripley (1974), O garoto que seguia Ripley (1980) e Ripley debaixo d’água (1991).

Além de tramas eletrizantes, as precisas descrições de ambientes e de personagens marcados por comportamentos paradoxais tornam as histórias de Patrícia Highsmith facilmente “filmáveis”. Sua notoriedade veio em 1955, quando Alfred Hitchcock lançou Strangers in a train (no Brasil, Pacto Sinistro), a primeira novela que ela publicara, quatro anos antes, graças a uma bolsa na colônia de artistas Yaddo, em Nova York, que a recebera por indicação do romancista Truman Capote. Outros cineastas filmaram suas histórias (Em O amigo americano, de Win Wenders, baseado em Ripley Subterrâneo, Dennis Hopper é um Ripley frio e vigarista: John Malkovich criou um Ripley amedrontador, em O jogo de Ripley, de Liliana Cavani), caracterizadas por um suspense inquietante e pela culpa que atormenta quase todos os personagens – exceto o fascinante Tom Ripley.

Patricia Highsmith viveu entre a França e a Suíça a partir de 1963, acompanhada por animais e, ocasionalmente, seus casos amorosos.  Arredia, ferozmente antissemita (apoiava a causa palestina com ardor), ateia, racista e alcoólatra,  falava abertamente sobre sua homossexualidade e os raros envolvimentos com homens. Ao morrer, em 1995, deixou direitos autorais e propriedades para serem divididas entre a colônia Yaddo e uma divisão da Biblioteca Nacional da Suíça.

A Intrínseca ensaiou o lançamento da Riplíada (Ripley +ilíada, para os admiradores da série) em janeiro, quando Águas profundas (Intrínseca, R$  59), já com o mesmo desenho de capa (dura) e fitilho, saiu pelo Intrínsecos. O talentoso Ripley e Ripley subterrâneo têm preço igual, R$ 59 – nem tão acima do que o mercado cobra por brochuras com o mesmo número de páginas. Tomara que a editora se empolgue e lance os outros 16 romances de Patricia Highsmith! Os leitores de bons thrillers agradecerão.

#nãoàtaxaçãodolivro

Publicado em 13/5/2021

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