A vida alheia e suas influências

 Biografias podem ser decepcionantes para os leitores. Por vezes, destroem o mito criado em torno do biografado, geralmente alguém que conquistou alguma notoriedade. Há também relatos biográficos ou “baseados na realidade” que tratam de anônimos, que tanto defendem causas, abrem discussões ou servem, simplesmente, para o desabafo e a reconstrução da experiência pelos autores. Nem todas trazem segredos escandalosos. As desta seleção, que inclui um romance calcado em fatos reais, propõe reflexões que o leitor pode levar para sua própria vida.

Um dos nomes mais em voga na cena brasileira, o youtuber Felipe Neto já havia publicado uma autobiografia precoce, há cerca de 8 anos, quando contou sua trajetória pessoal para transformar-se em personalidade da Internet. Felipe Neto – O influenciador (Máquina de Livros, R$ 45,90), de Nelson Lima Neto, é baseada numa extensa pesquisa do autor, que levanta momentos mais recentes da carreira do youtuber, listado pela revista norte-americana Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.  Se o início de sua carreira era de críticas a produtos culturais,  como os filmes baseados na série de livros Crepúsculo, depois de se transformar em ídolo de plateias infanto-juvenis, Felipe Neto deu uma guinada no comportamento frente às câmeras, tornando-se um contundente defensor das pautas inclusivas e da democracia. Um caso de self made man amadurecido diante da desigualdade brasileira.

Apresentado como um romance baseado em fatos reais, Somos todos insubstituíveis (Autografia, R$ 42), de Lígia Pinheiro, trata de dois temas atuais: a alta rotatividade no mercado de trabalho e a pandemia de Covid-19. A protagonista Lívia sofre com as pressões para se integrar ao ambiente corporativo ao retornar de uma licença-maternidade. Bem-sucedida profissional e pessoalmente, Lívia é uma típica representante de uma geração de adolescência estendida, que vivencia os relacionamentos com os colegas intensamente. O grupo é modificado constantemente, devido às frequente demissões, o que abala a segurança de todos no escritório, onde precisam aprender a se fortalecer a fim de manter a unidade em prol da sobrevivência na empresa.

Seguindo a fórmula mais tradicional de relato biográfico, O homem mais feliz do mundo (Intrínseca, R$ 49,90), de Eddie Jaku, traz as memórias de um judeu alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Preso na Noite dos Cristais, em Leipzig, Eddie passou pelos campos de concentração de Buchenwald e Auschwitz – nesse, ao chegar, foi separado do pai, enviado diretamente para a câmara de gás -, empreendeu diversas fugas, viveu escondido por antinazistas em diferentes países, e ainda conseguiu se reencontrar com a irmã, também aprisionada. Radicado na Austrália, ele decidiu escrever a autobiografia às vésperas de completar 100 anos, depois que sua palestra sobre memórias, perdão e reconstrução da felicidade para um TED Talk, em 2019, viralizou na Internet. O livro, que ganhou o prêmio de melhor biografia do ano na Austrália, equilibra com delicadeza as lembranças dos horrores da guerra com a intensa força de Eddie Jaku em buscar sobreviver, sem jamais trair sua cultura, seu povo ou perder a dignidade.

É sobre dignidade que falam também Toni Reis e David Haradd, em Família Harrad Reis (Appris Editora,  R$64,80), no qual os dois e os três filhos – Alyson, Felipe e Jessica – falam como se conheceram e formaram um núcleo familiar chefiado por dois homossexuais, um brasileiro, o outro inglês. Ao compartilhar a história e todos os entraves burocráticos à permanência de David no Brasil até a união civil ser aprovada no País, além do desejo de vivenciar a paternidade, adotando crianças legalmente, é, para o casal – e para os filhos – uma forma de ajudar a integração das famílias LGBTIQ+ no país onde a homofobia ainda causa um vergonhoso número de vítimas de agressões e assassinatos.

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