Detetives do condomínio verde e outra senhora

 Dá até pra imaginar, enquanto se lê O clube do crime das quintas-feiras (Intrínseca, R$ 59,90), o elenco de veteranos astros ingleses que encarnarão os personagens do filme baseado no livro. Se é que a adaptação será britânica, pois a trama pode se desenvolver em qualquer país de Primeiro Mundo, onde existam condomínios para idosos. Com um milhão de exemplares vendidos, o livro de Richard Osman já teve os direitos para o cinema negociados entre 14 produtoras – e a que ganhou é de Steven Spielberg, o que pode transpor a ação para os EUA.

Com o aumento da expectativa de vida da população mundial existe um mercado sedento por histórias com velhinhos travessos e inteligentes. Eles não chegam a corresponder ao arquétipo literário do velho, nem têm a doçura um tanto dissimulada de Miss Marple. Mas esbanjam uma tremenda vitalidade, argúcia, malandragem e o dinamismo de crianças pré-púberes, já que as pulsões sexuais ficaram no passado, embora o romantismo nunca esmoreça.

Assim são Ron, Elizabeth, Ibrahim e Joyce, moradores do elegante e verdejante condomínio planejado para maiores de 70 anos. Há planos para ampliação do número de construções desde que sejam desalojadas as tumbas e os restos de corpos que repousam num centenário cemitério, ligado à propriedade. O assassinato e a morte suspeita dos dois empreiteiros que haviam adquirido o terreno do cemitério alertam quarteto, que decide apoiar os policiais locais na investigação. A solidão não afeta os quatro detetives – nem tão – amadores, tampouco os males do envelher. Alzheimer e depressão ficam para os vizinhos do condomínio ou até com os personagens mais jovens, que, como todos, precisam desenterrar esqueletos de seus armários.

A vida idílica dos idosos britânicos está muito distante dos protagonistas dos 18 contos de Rondó (Penalux, R$ 40), primeira incursão de Sonia Sant’Anna no gênero. Consagrada como autora de romances históricos, ela se volta para homens e mulheres comuns, que se encontram em relacionamentos amargos, mas “da vida”. Há contos que complementam outros, mostrando as diferentes facetas de situações, pela ótica dos que a viveram. E nessas reuniões fugazes ou duradouras, a solidão é um imperativo que poucos conseguem superar. Como na forma musical do rondó, não há vocalização de cada experiência. São sofrimentos vividos, raramente externados, e, quando revelados, deixam marcas profundas em quem se envolve com a vítima daquelas dores, reproduzindo um tema/uma situação, até que outro alguém tome seu papel de consolador e aponte para a redenção, a ser usufruída, esquecendo de seu salvador.

Fora do campo ficcional, Sonia fecha o volume com “Recordações de uma velha senhora”, um relato realista e intrigante sobre sua própria família, na qual escrever é traço comum (os irmão Ivan e Sérgio Sant’Anna, além do sobrinho André também se dedicaram à ficção). Nas memórias, desponta muita  mágoa ao descobrir segredos guardados por mais de cinquenta anos, aplacada por lembranças nostálgicas da infância ao lado dos irmãos. Do caçula Sérgio, que faleceu em decorrência da Covid, no ano passado, Sônia, conta o quanto se incomodou quando nasceu: “Haviam me prometido uma irmã, que se chamaria Vânia, (…) o hospital estava em falta de meninas. Mas quando olhei pelo vidro do berçário, lá estavam vários bercinhos ocupados e com laço rosa, sinal de que existiam meninas disponíveis. Eles é que tinham preferido pegar um menino”.

Uma delícia bailar pelas páginas desse rondó bem compassado.

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