O combate às crises da existência


A temporada de férias começa e é o momento de se refestelar na rede para botar a leitura em dia. Quem considera os livros gêneros de primeira necessidade já fez seu estoque para a virada do ano. Apesar da flagrante redução nos lançamentos, novas edições de  marcos literários ainda fazem a festa do leitor, como a que comemorou os 80 anos de Vidas Secas (Record, R$ 69,90), de Graciliano Ramos.  O volume traz, além do texto integral, o manuscrito original com as emendas escritas por Graciliano, que, diz a lenda, a cada nova edição cortava mais um pouco da saga da família de retirantes nordestinos que busca sobreviver em face da seca.

Sobreviver num ambiente frequentemente hostil é o que buscam também os personagens de Lá não existe lá (Rocco, R$ 49,90), romance de estreia de Tommy Orange, descendente de indígenas norte-americanos.  A  sensação de não-pertencimento de um  grupo dos chamados  “índios urbanos” da Califórnia é enfatizada pela representação dos indígenas pela cultura dominante, que os mostra como sábios ligados à natureza, mesmo quando nasceram e cresceram nas metrópoles. As dificuldades de integração são demonstradas no encontro para uma festa folclórica em que boa parte das crianças participará apresentando danças típicas aprendidas no YouTube.

A adaptação à nova realidade por  mulheres que decidem assumir as funções dos maridos, mortos acidentalmente  quando estavam prestes a assaltar um carro-forte, é o eixo de As Viúvas (Intrínseca, R$ 49,90). O thriller de Lynda La Plante, adaptado para o cinema em filme estrelado por Viola Davis, junta três mulheres de temperamentos, idades e estilos de vida bem diferentes que esperam manter a independência financeira seguindo o detalhado roteiro de assaltos que os companheiros deixaram arquivados. As anotações são cobiçadas por concorrentes nas atividades ilegais, que passam a perseguir as viúvas com tanta persistência quanto policiais londrinos. 
O anticonvencionalismo de mulheres em relação ao papel social feminino também está em Filha da fortuna (Bertrand Brasil, RS 49,90), de Isabel Allende. Lançado há 30 anos, o romance, que ganhou nova capa em sua 12ª edição brasileira, conta a história de Eliza Sommers, abandonada ainda bebê na Valparaíso do século XIX. Criada como filha por um casal de irmãos ingleses, ela segue o namorado, que vai para a Califórnia em busca de ouro, em 1849, como muitos chilenos.  Viajando clandestina num navio, Eliza não teme partir numa aventura, abandonando a vida tranquila de burguesa abastada, sem ligar para os comentários ou a revolta da própria família.

Aventuras não faltaram na rotina do escritor Frederick Forsythe que, na autobiografia O outsider – Minha vida na intriga (Record, R$ 54,90), se apresenta como jornalista, a profissão que seguiu ao deixar a carreira de piloto na Força Aérea britânica. Pesquisador meticuloso para montar seus thrillers, ele alcançou fama – e fez fortuna - com O dia do Chacal, nos anos 1970, depois de uma década dedicada ao jornalismo, trabalhando para a agência Reuters, a BBC e a revista Time, entre outros veículos, como correspondente em Paris, na Alemanha Oriental, na Tchecoslováquia e na cobertura da guerra entre Nigéria e Biafra. A experiência como repórter lhe deu a base para ver todos os ângulos de uma história e a afirmar que “um jornalista jamais deve se unir ao establishment (...)”, mas precisa manter a distância, “observando, anotando,  sondando, comentando”, sem jamais tomar parte: “Em resumo, um outsider”. Uma lição para quem quer contar as histórias das vidas alheias.

Um bom 2019, com leituras que combatam as crises da existência, sempre!

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