Férias para ler na rede



Começou 2019 com a exuberância do calor tropical atingindo temperaturas indecentes. Para enfrentar o ano,  começa o Festival Segunda Chance, com o que melhor esta coluna indicou em 2018. Nos intervalos entre mergulhos nas águas do Atlântico, refestelar-se na rede para reler ou abrir alguns desses livros vai ajudar – e muito – a sobrevivência na nova era que se inicia.
Para os mais românticos,  nada melhor do que as recordações do interlúdio entre o  adolescente italiano Elio e o jovem americano Oliver, durante um verão no interior da Itália, nos anos 1980. Cada linha de  Me chame pelo seu nome(Intrínseca, 39,90), de André Aciman,  transpira paixão e erotismo que transcendem gêneros. O sucesso do filme baseado no romance trouxe ao Brasil a literatura de Aciman, nos contos de Variações Enigma (Intrínseca, R$ 39,90), nos quais a temática amorosa bissexual conta a trajetória de um homem desde sua juventude.

A franco-marroquina Leila Slimani criou em  Cantiga de Ninar (Tusquets Editores, R$ 32,80) uma tragédia ficcional em cenário urbano: o assassinato de duas crianças pequenas pela babá mais que perfeita contratada pelos pais de classe média. Mais que buscar compreender o choque do encontro de realidades socioculturais distanciadas, Leila Slimani, que ganhou o Prêmio Goncourt em 2016, compõe magistralmente o incômodo e a inadequação dessa convivência em cada capítulo.

O carioca Giovani Martins  tem sido saudado como uma nova voz da literatura por retratar a vida que o Brasil quer desconhecer desde sempre. Em O Sol na cabeça (Companhia das Letras, R$ 34,90), ele mostra a vida de quem raramente chega a ser retratado nas seções policiais dos noticiários da atualidade, o grupo a que as classes média e alta se referem como “essa gente”. O morador da favela é o  protagonista desses contos, num cotidiano violento  dentro da cidade que traça limites rígidos entre morro e “asfalto”.

Quase trinta anos depois de lançado, O mito da beleza (Rosa dos Tempos, R$ 69,90) ganhou nova edição brasileira. O contundente estudo sobre a principal forma de opressão às mulheres ocidentais no fim do século XX apontava a beleza como substituto da religião no controle social das mulheres que vivem no Ocidente desde o advento da pílula anticoncepcional. Três décadas mais tarde,  as mulheres se tornaram as maiores consumidoras de ansiolíticos, moderadores de apetite e a recorrerem a cirurgias plásticas invasivas na vã tentativa de manterem padrões estéticos impossíveis de serem alcançados, enquanto o mercado lança produtos cosméticos e farmacêuticos de eficácia nula ou limitada.

Domenico Starnone, um dos mais populares autores italianos chegou ao Brasil trazendo a reflexão sobre conturbadas relações familiares. Em Laços (Todavia, R$ 37,72), ele trata da separação e da reconciliação de um casal, contada pelo ponto de vista de cada um e dos filhos. Já Assombrações explora as dificuldades de sobrevivência dentro da célula familiar, quando um ilustrador vai cuidar do neto de quatro anos para que a filha e o marido saiam em viagem e tentem acertar problemas conjugais.

Sem o menor compromisso com a seriedade, 79 filmes para assistir enquanto dirige (Galera Record, R$ 37,90) foi criado pela equipe do Choque de Cultura para provocar gargalhadas. A análise dos filmes é a mais pueril possível, dentro do espírito caustico característico do “programa sobre cultura que reúne os maiores nomes do transporte alternativo”. A seleção cinematográfica privilegia filmes que agradam ao público masculino – com pancadaria, colisões e muitos carros, como a série Velozes e furiosos, e a programação básica veiculada pela TV aberta. Quase um estudo antropológico da cultura machista brasileira.

Ao longo de 2018, não faltaram edições caprichadíssimas da coleção Clássicos Zahar, que encerrou o ano com A volta de Mary Poppins (32,90), de P.L. Travers, e O quebra-nozes (R$ 39,90 ), este trazendo as duas versões do conto, a original de E.T.A. Hoffman e a de Alexandre Dumas. Textos consagrados também foram reeditados na Clássicos de Ouro, da Nova Fronteira, que republicou alguns já fora de catálogo, como As Palavras (R$ 45,90) de Jean Paul Sartre. Destaque também para a edição comemorativa dos 80 anos de Vidas Secas (Record, R$ 69,90), de Graciliano Ramos.  O volume traz, além do texto integral, o manuscrito original com as emendas escritas por Graciliano, que, diz a lenda, a cada nova edição cortava mais um pouco da saga da família de retirantes nordestinos que busca sobreviver em face da seca.
Em fevereiro, a coluna volta com mais palpites de leitura! Até lá!

Comentários

Postagens mais visitadas