A política e o livro

Às vésperas da eleição presidencial mais disputada do Brasil, os livros passam a ser objetos estratégicos de campanha. Uma iniciativa simpática surgiu nas redes sociais para “abandonar” deixar livros em bancos de praça, pontos de ônibus, estações de metrô. Quem os encontrar verá uma dedicatória na qual o doador informa que enquanto um candidato incentiva o conhecimento e a cultura, o outro valoriza questões de segurança e a liberação do porte de arma para a população. Outro movimento iniciado nas redes sociais estimula os eleitores a levarem um livro para o local de votação, demonstrando o apreço pela leitura. Dois clássicos que podem ser doados ou exibidos têm muito a ver com o momento  que vivemos.
Citado como seu livro preferido pelo candidato Fernando Haddad,  Memórias póstumas de Brás Cubas (BestBolso, R$ 24,90), o romance que marca o início do Realismo em nossa literatura, chegou ao  público como folhetim, publicado de março a dezembro de 1880  na Revista Brasileira. Um dos mestres da narrativa em episódios, Machado de Assis faz um sarcástica crítica social através de seu protagonista, o típico representante da elite da época, o bem-nascido que vai estudar Direito em Portugal, tem diversos casos amorosos e persegue a fama, tentando uma carreira política que não progride, ou patentear um medicamento. A composição desigual da sociedade do Rio de Janeiro, capital do império, é abordada com pessimismo, mas com o sarcasmo que caracteriza o texto de Machado. No capítulo final, Brás Cubas reconhece que nada fez de extraordinário na vida, sequer precisou preocupar-se com o próprio sustento, mas se regozija por não ter deixado descendentes: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
Liberdade completa ninguém desfruta. Começamos oprimidos pela sintaxe, acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social (…)”, dizia Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere (Record, R$ 100), as recordações dos dez meses em que ficou preso, sem acusação formal ou julgamento, apenas pela pecha de ser simpático ao comunismo.  Detido em Maceió, logo depois de ser destituído do cargo de secretário de Educação, em março de 1936, ele foi levado para o Rio de Janeiro, sendo transferido da cadeia da capital para o presídio de Ilha Grande, no litoral do estado, onde permaneceu até janeiro do ano seguinte. É lá que ele tem de se relacionar com homens rudes, que lhe arranjam lápis e papel para descrever a duríssima vida em precárias condições de higiene. Publicado depois da morte do escritor, além do relato do cotidiano dos prisioneiros, o livro se detém na angústia do autor, diante da prisão sem processo ou qualquer explicação durante a ditadura Vargas. Graciliano também se preocupava com o desprezo das autoridades pelos confinados, transferidos de um presídio para o outro, sem a menor autonomia sobre seus destinos:   “O mundo se tornava fascista. Num mundo assim, que futuro nos reservariam? Provavelmente não havia lugar para nós, éramos fantasmas, rolaríamos de cárcere em cárcere, findaríamos num campo de concentração. Nenhuma utilidade representávamos na ordem nova. Se nos largassem, vagaríamos tristes, inofensivos e desocupados, farrapos vivos, fantasmas prematuros; desejaríamos enlouquecer, recolhermo-nos ao hospício ou ter coragem de amarrar uma corda ao pescoço e dar o mergulho decisivo”.
O destino do Brasil mudará a partir do resultado das urnas neste domingo. Que a liberdade, a delicadeza e a cultura prevaleçam! Boas leituras e bom voto!

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