Escritos em série

Se hoje as narrativas que se contam aos pedacinhos ficaram restritas aos meios audiovisuais (em algum lugar do mundo ainda deve existir radionovelas), a indústria da literatura mantém seu lugar no panteão dos fascículos com as "séries" - livros que contam aventuras e desventuras entremeando personagens já citados em obras anteriores de um autor. Novidade, isso não é. No tempo dos folhetins, Alexandre Dumas continuou a saga de D'Artagnan, Porthos, Athos e Aramis em Vinte anos depois (Intrínseca, R$ 94). Os escritores de policiais geralmente têm um investigador que repete seus métodos em diferentes cenários, de Sam Spade ao detetive sem nome (de Dashiel Hammet), Hercule Poirot, Miss Marple, Tommy e Tuppence (de Agatha Christie), Phillip Marlowe (de Chandler). E claro, Sherlock Holmes, de Conan Doyle. 

O que leva o leitor a buscar histórias muito semelhantes, algumas se distinguindo por poucos detalhes das demais, girando em torno da repetição de métodos dos protagonistas para seu desenrolar? Talvez o gosto pela repetição, pela rotina, pelo que já se conhece. Minha diversão, em criança, era tentar descobrir o culpado pelos crimes antes que o investigador os apontasse. Uma diversão que cai por terra devido à tendência atual de sabermos quem é o bandido antes dos mocinhos em enredos que acompanham diversos personagens ao longo da trama, para intrigar o leitor até a virada final.





Caso de O homem perfeito (Bertrand Brasil, R$ 49,90), de Linda Howard, que junta thriller e romances eróticos. Ex-autora de romances de bancas de jornal, Linda Howard resolveu trazer para as novelas picantes destinadas ao público feminino doses de suspense que seriam perfeitas se a trama, em si, não estivesse tão distante da vida contemporânea. Um grupo de amigas enumera numa lista as qualidades do homem perfeito. A brincadeira acaba publicada num site e viraliza, tornando-se notícia de interesse nacional em programas de televisão e levando um serial killer a tentar eliminar as autoras da gracinha. Por uma coincidência do destino, uma das cinderelas mora ao lado do policial rude e naturista encarregado de investigar o caso, o que dá margem a diversos enlaces carnais antes que o casal - cuja volúpia causa inveja em adolescentes - se veja completamente apaixonado e pronto a contrair matrimônio. Embora divertido, o romance carece de densidade na composição do psicopata.


A mesma carência é verificada em Amor Verdadeiro (Verus, R$ 44,90), um pastiche de Orgulho e Preconceito, que retoma
personagens de A pequena livraria dos corações solitários (Verus, R$ 44,90). A autora se propôs a contar a vida sentimental de todos os que trabalham na livraria dedicada a livros românticos. Neste, uma das vendedoras é especialista em Jane Austen e encontra seu gentil cavalheiro, podre de rico, distante, educado e esquisitão para amar. No entanto, a mocinha é calcada numa personagem menor de Austen, que vive enfiada nos livros, sem um pingo de charme e carisma. Difícil criar alguma empatia com a protagonista.

Quem quer trilhar caminhos confortavelmente conhecidos não sofrerá qualquer decepção com A sede (Record, R$ 59,90), do sueco Jo Nesbo. A mais recente incursão do detetive Harry Hole é com um assassino que marca encontros com mulheres pelo Tinder para matá-las e beber o sangue das vítimas. Embora sejam raríssimos os casos de malucos desse calibre, a obra de Jo Nesbo já vendeu mais de 40 milhões de exemplares no planeta pela naturalidade em que ele apresenta a maldade das mentes doentias. 

Publicado em 29/03/18

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