Crimes quase verdadeiros


Os limites entre a ficção e o jornalismo ficaram cada vez mais tênues desde o início do século XX. Sem entrar no campo do jornalismo literário, aquele que traz à tona as histórias além da notícia, mas que não ultrapassa as barreiras da realidade, a ficção tem se apropriado da objetividade em narrativas que misturam estilos, buscando apresentar diferentes pontos de vista ao leitor. Um dos gêneros mais populares no mundo – e de modesta repercussão no mercado brasileiro -, o thriller, sobrevive dessa mescla de noticiário para desenvolver personagens ambíguos (sem ambiguidade, não existe suspense) e desvendar crimes.
Buscar inspiração na realidade é próprio da literatura, porém a forma de tratar a ficção como fato verídico é que traz um novo sabor em textos como Rio Vermelho (Faro Editorial, R$ 39,90), que garantiu à britânica Amy Lloyd o prêmio de melhor romance de estreia Daily Mail/Penguin House, selecionado por um júri de especialistas em histórias de suspense.  Mais do que a forma – já conhecidíssima – de mesclar à narrativa trechos de noticiário ficcional para contar a saga de uma mulher que se apaixona pelo acusado de um crime, o tema é objeto de estudos sociológicos e de vasta abordagem jornalística. A protagonista é Samantha, uma inglesa solitária que luta para provar a inocência do homem que cumpre pena numa cadeia da Flórida pelo brutal assassinato de uma menina. Uma aproximação comum a tantas outras mulheres, que enviam cartas e forçam intimidade com detentos, fascinadas pelo desafio de recuperar socialmente alguém que foi injustamente acusado.
A trajetória de Samantha parece com a de Lorri Davis, que se interessou pelo badalado caso de Damon Echols, condenado com mais dois adolescentes, em 1994, pelo assassinato de três meninos de oito anos, no Arkansas. Lorri, que se casou com Damon na cadeia, em 1999, participou ativamente da campanha para demonstrar a ausência de provas contra o marido e os dois amigos. Em Nó do Diabo (Record, R$ 55), a  jornalista Mara Levitt faz uma minuciosa reconstituição do processo, demonstrando o quanto o pré-julgamento sobre os hábitos pouco convencionais de três rapazes levou-os à condenação. Depois de 18 anos presos, o trio foi liberado por ausências de provas devido ao clamor público em favor deles, que tiveram apoio de artistas de cinema, depois do lançamento de um documentário sobre o caso, inspirando um filme do cineasta Atom Egoyan.

Sem evocar a realidade, C.L. Taylor traz em A farsa (Bertrand Brasil, 49,90) o que diversos escritores, entre eles Paul Theroux, com A Suíte Elefanta (Alfaguara, R$ 39,90), e Alex Garland, com A praia ( Rocco, R$ 60), apresentaram: a desmistificação da aura de santidade de retiros espirituais do Oriente. Longe de comparar Taylor a Theroux, em seu conto sobre o desencanto de um casal de americanos com a realidade na Índia, ou a Garland, que mostra os desencontros de uma comunidade hippie numa ilha escondida na Tailândia, este thriller cresce tremendamente quando se detém nas passagens que levarão ao crime, tendo um retiro no Nepal como cenário. O desenvolvimento rasteiro de personagens adultos com mentalidades adolescentes, no entanto, compromete a trama, que parece mais apropriada a um filme de suspense sobre jovens ocidentais em férias. A farsa, contudo, não ludibria o leitor que gosta de um bom suspense: é impossível deixar o livro de lado antes de descobrir o culpado pelas atrocidades cometidas.  

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